segunda-feira, 31 de julho de 2017

CASA DOS PAPÉIS-44: FORTUNATO JOSÉ MARTINS GUEDES




A UMA CHALEIRA VELHA
Romperam-te, afinal. Depois de quatorze anos annos de labor quotidiano que, às vezes, prolongavas, sem um queixume, até altas horas da noite, sozinha sobre a chapa do fogão, enquanto descançavam, lavadinhos e frescos, mas estantes, as caçarolas e o caldeirões, teus companheiros, venceram-te, afinal, o cansaço e o fogo. Pobre chaleira. Querem-te mãos impiedosas atirar ao lixo, destino final de tudo que envelhece. Mas estou aqui para salvar-te.
Não irás para o monturo, não.
Para os extranhos, és apenas uma velha vasilha imprestável. Para mim, porém és um pedaço do meu lar.
Nelle viveste quatorze annos de trabalhos.
Aqueceste agua em que primeiro se banharam meus filhos, que tu viste nascer. Ferveste, no teu bojo, cantando de alegria, a agua de que lhes fizeram o primeiro chá!
Nos dias alegres, quando a minha casa se enchia de amigos, eras tu quem corria ao fogão, a ferver, a agua para o café com que os obsequiava, como legítimos brasileiros, eu e elles. Nos dias amargos em que a doença se installava em meu lar, velavas o doente commigo. Eu, à sua cabeceira e tu chiando ao fogo para que fossem rápidos as compressas quentes  e os chás reanimadores. E quanta vez se misturaram então os meus soluços ao teu chiado dolorido, velha chaleira!
E assim, foste sempre a minha fiel companheira, na dor e na alegria.
Sorriste, commigo nos dias alegres e ccomigo choraste nos dias de amargura. Como atirar-te agora ao lixo, como si fôras uma simples caco velho? Não. Para mim és um pedaço do meu lar.
Não irás para o monturo.         X  
 
Jornal "A UNIÃO"-Nº176-ANNO 4-DOURADO, 26 DE MAIO DE 1935


 

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